O poeta-cronista (Olavo Bilac)"As Cartomantes" é uma crônica (eita gênero delicioso!) de Olavo Bilac, datada provavelmente de 1901. O parnasiano, cadeira 15 na Academia Brasileira de Letras, poeta e cronista, comentava com malícia o tema das quiromantes, das cartomantes, e de tantas outras hoje esquisitices (lampadomancia, alectoromancia, hidromancia), a quem nominava (com base em Severiano de Rezende) de "Charlatãs do Além".
Eu não sei exatamente quem era o Severiano de Rezende que o poeta invocava. Talvez um escritor, político e advogado provisionado mineiro, muito conhecido na época. Esse é um dos encantos da leitura de crônicas antigas. As personagens, certamente conhecidas do escritor, caem no esquecimento, a exemplo de alguns autores alemães que Tobias Barreto citava, e que ninguém hoje sabe quem foi. E o leitor fica perdido.
Bilac conta-nos que a polícia havia preparado um catálogo estatístico das cartomantes, que seriam perseguidas sem piedade alguma. Segundo o poeta-cronista a polícia iria se empenhar "num simples e fácil trabalho de saneamento moral, perseguindo algumas dúzias de exploradores da credulidade pública, com o mesmo direito com que persegue os passadores do conto-do-vigário ou de notas falsas".
No entanto, de algum modo defendia as (os) perseguidas (os), continuadoras (es) de uma "tradição multissecular”, calcada em “eterna e indestrutível mentira, criada pelo medo e pela curiosidade dos primeiros homens e sustentada pela irremediável tolice de todos os outros que lhe sucederam e lhes hão de suceder no gozo e no sofrimento dos bens e dos males da vida".
O poeta-cronista criticava todos os tipos de crendices. Há um certo sentido metafísico na crônica, mas que no fundo revela dúvidas. Tem-se a impressão que a crônica retomava certo dito espanhol, de autoria incerta, "No creo en brujas, pero que las hay, las hay". Eu também não acredito em bruxas, mas também creio que elas existem. Por que não? Até Rachel de Queiróz, tão incrédula, acreditava em discos voadores. E há também quem acredite que juízes deduzem, e só depois decidem, e não o contrário. Há muita crendice no mundo, inclusive jurídico.
Bilac não acreditava na polícia. Perderiam o tempo, que deveria ser gasto em coisas mais úteis. Previa que, como resultado da perseguição, "em vez de cinquenta ou sessenta cartomantes [haveria] cinco ou seis mil — e até as autoridades policiais [comprariam] baralhos de Tarô, e [começariam] a estudar a ciência perseguida".
Quanta coincidência com algum noticiário policial de hoje. Antes de acabar com a cartomancia, escreveu Bilac, seria mais importante acabarmos primeiro com a tolice humana. Essa não tem jeito. A bomba e tiro para tudo quanto é lado. Monica da Costa
Enviado por Monica da Costa em 19/10/2023
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